Consumo solidário e economia popular: uma relação necessária

Relato da 5ª etapa da Escola de Formação Básica Multiplicadora da Economia Popular Solidária, realizada nos dias 11 e 15 de agosto, com assessoria da antropóloga e educadora popular Magda Luiza Mascarello.

44ª turma Escolinha

Por: Charles Fernando Martins, Ednubia Ghisi e Magda Luzia Mascarello

O debate sobre consumo esteve no meio da roda na 5ª etapa da Escola de Formação Básica Multiplicadora da Economia Popular Solidária, realizada em duas turmas, nos dias 11 e 15 de agosto. A assessoria ficou por conta da antropóloga e educadora popular Magda Luiza Mascarello, pesquisadora de temáticas afins à economia solidaria, especialmente experiências e práticas políticas de catadores de materiais recicláveis em Curitiba.

44ª turma EscolinhaPara começar a conversa, a assessora provocou uma reflexão sobre os sentidos que são veiculados pelo consumo nas sociedades capitalistas, salientando que, além de produtos, o capitalismo também “vende” valores, verdades, gostos, padrões estéticos e, como consequência, estimula a alienação. Exemplo disso é a indústria do medo, em ampla expansão no Brasil e no mundo, que alimenta o consumo de segurança privada, alarmes e armas. Como efeito perverso deste mercado, estudos apontam que as principais vítimas da violência são homens, negros e pobres da periferia.

Outro exemplo citado e debatido entre os/as participantes foi sobre os estereótipos relacionados às hierarquias e violências de gênero: em datas festivas é comum os presentes para mulheres estarem relacionados a afazeres domésticos, enquanto para os homens, serem objetos de uso pessoal. Esta prática é uma reprodução de certa compreensão sobre qual é o lugar das mulheres e dos homens na sociedade, uma prática naturalizada do machismo. Para mudar este paradigma e superar o preconceito e formas de opressão é preciso fazer o exercício da transformação. Magda ressalta que sozinhos/as não daremos conta de fazer tais mudanças, “somos constituídos pelas relações da sociedade em que vivemos e a desconstrução é um difícil desafio que só alcançaremos com ações coletivas”.

Produção de lixo
44ª turma EscolinhaPara avançar na compreensão sobre alguns dos efeitos do consumo, a assessora incluiu no debate o impacto da produção de lixo em Curitiba. Segundo ela, na cidade são geradas diariamente duas mil toneladas de lixo, das quais 800 toneladas são materiais passíveis de reciclagem. Destas, os caminhões da coleta seletiva municipal retiram das ruas apenas 10%, ficando a coleta dos outros 90% do lixo reciclável a cargo dos catadores.

Para completar a reflexão, o pequeno filme “A história das coisas” apresentou o ciclo das mercadorias, a deterioração do meio ambiente e a prática da obsolescência planejada, que nada mais é do que programar os equipamentos e ferramentas para que tenham vida curta, gerando assim a necessidade de novas compras.

Construção de necessidades
Logo da exibição de um trecho de outro filme – “Os Deuses devem estar loucos – I” -, as intervenções dos participantes manifestavam uma sensação de identificar que algo anda errado na sociedade em que vivemos. O filme apresenta um grupo de bosquímanos que vivem no deserto do Kalahari, na África, entre os quais não havia sentimentos de posse ou propriedade privada. Do mesmo modo, não havia nem excedente nem falta de nada, nem governo, hierarquia ou lei. Até que um dia, uma garrafa de coca-cola é jogada da janela de um avião sobre a comunidade, e esta interpreta o objeto como um presente dos deuses. De repente as relações entre os bosquímanos começam a ser transformadas porque todos precisavam daquele artefato o tempo todo e havia apenas uma garrafa. Rapidamente multiplicam-se disputas pela posse do objeto. Ele transformou e confundiu os valores comunitários.

Na sequência, Magda afirma que compramos coisas porque elas significam algo para nós, de modo que transformar as relações de consumo exige pensar e recriar os significados que são produzidos pelos interesses do mercado capitalista e circulados por meio de suas mercadorias. Nesse sentido, se levarmos em conta de onde vem e como são feitos os produtos que consumimos, podemos recriar significados e relações socialmente compartilhados e perceber e avaliar a necessidade de consumir de forma diferente e alternativa.

Entre os significado das coisas que circulam no capitalismo destaca-se o fato de que tudo precisa ser prático e rápido. O marketing cumpre o papel de decodificar do significado e serve para produzir necessidades e desejos. Ao mesmo tempo, como no filme assistido, certa sensação de escassez funciona como estratégia de venda, em um contexto em que circula o medo da falta e a pressa da compra.

44ª turma EscolinhaEm três grupos, os/as participantes se debruçaram sobre propagandas de comida, cosméticos, tecnologia e veículos, e também sobre uma contraposição à lógica capitalista, uma cooperativa organizada a partir da comercialização solidaria direta entre produtores e consumidores. Como reflexão geral, a apresentação dos grupos mostrou que é possível identificar os mecanismos por meio dos quais os produtos transmitem os valores do capital. Porém, também foi destacado que é possível recriá-los, bem como as relações sociais que eles impulsionam e mobilizam, tendo como elemento central uma vida de qualidade para todos/as. Para além do consumo convencional, atrelado ao capitalismo, há o consumo solidário, preocupado com a mudança do significado das mercadorias e das relações. Por meio da mudança das formas de relações de produção e comercialização é possível uma transformação da própria estrutura social.

Materiais utilizados ou sugeridos ao longo do encontro
– Parte inicial do filme “Os Deuses devem estar loucos”
– Cartilha “Outro consumo é possível”
– Sugestão de leitura, “A distinção” de Pierre Bourdieu, que faz a distinção sobre o consumo
– Filme “A história das coisas”

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