Intercâmbio entre organizações urbanas e famílias assentadas fortalece a relação entre trabalhadores/as

A visita ocorreu no Assentamento Contestado, da Lapa, e contou com a participação de mais de 50 pessoas de Curitiba e Região Metropolitana. Entre os temas que fizeram parte do debate está a importância da Reforma Agrária e os prejuízos do monocultivo e do uso de agrotóxicos na agricultura.

Por Vinicius Carvalho, comunicador popular do Cefuria

 

No último dia 8 de abril, 33 grupos populares de Curitiba e região metropolitana visitaram o Assentamento Contestado, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, para um intercâmbio entre experiências de organização no campo e na cidade. Vindos do meio urbano, mais de 50 integrantes de movimentos sociais, padarias comunitárias, clubes de trocas, rede de segurança alimentar, paróquias e entidades de apoio puderam trocar experiências sobre a reforma agrária, soberania alimentar, agroecologia no município da Lapa.

Abertura do Intercâmbio debate reforma agrária popular

Abertura do Intercâmbio debate reforma agrária popular

 

Os visitantes viram de perto a transformação ocorrida na área de 3200 hectares, que pertencia à multinacional Incepa e estava coberta por monocultura de pinus e eucalipto, e hoje, 16 anos após a ocupação, é local de moradia, trabalho e estudo para 108 famílias de agricultores assentados.

A partir da experiência da produção agroecológica, vista na prática, o encontro abriu diálogo entre as famílias assentadas e o público da cidade sobre o uso indiscriminado de transgênicos e agrotóxicos – são 5,2 litros consumidos por cada brasileiro anualmente. Por outro lado, a agricultura familiar é responsável pela produção de 70% dos alimentos no país.

Segurança alimentar e conscientização

João Amaral, de Curitiba, e o casal de agricultores Odair e Julia Trizote Saldanha

Casal de agricultores Odair e Julia Trizote Saldanha (à esq.) e João Amaral, de Curitiba (à dir.)

Ao todo, são mais de 30 tipos de frutas, legumes e hortaliças cultivadas no Assentamento. “É gratificante saber que são vocês quem consomem o alimento que produzimos aqui”, declarou Odair. A cada mês, as famílias assentadas entregam mais de 70 mil quilos de alimentos, que são comprados pela Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, e distribuídas nas cidades à população em situação de risco alimentar.

Cefuria atua como entidade mediadora no processo de recebimento e entrega de parte dos alimentos que integram a política do PAA no Paraná, atuando em Curitiba e Região Metropolitana. A entidade organiza a articulação e a distribuição dos alimentos para cerca de 40 entidades cadastradas, alcançando aproximadamente 6 mil pessoas.

Para além da distribuição de alimentos, a atuação do Cefuria cumpre o papel de fortalecer as organizações populares, com o reforço da compreensão de que a política pública não se trata de um favor do poder público, mas sim um direito.

Entre as ações do Cefuria está a contribuição no Conselho Gestor da Segurança Alimentar, que reúne mensalmente representantes das entidades e associações que recebem os alimentos, é o espaço para decisões coletivas, organização da logística de entrega dos alimentos e fortalecimento da autogestão. Neste espaço, são realizados momentos de formação, debates e ações conjuntas, como a visita ao Assentamento Contestado. “Esse aprendizado do que é o movimento e a luta pela terra, vale mais do que uma semana de formação”, compara Adenival Gomes, educador popular do Cefuria. “A aproximação fortalece a luta por uma sociedade mais digna, para trabalhadores do campo e da cidade”, conclui.

De um lado, o processo fortalece a produção agroecológica e o fortalecimento da agricultura familiar no campo, e de outro a segurança e soberania alimentar e o fomento das experiências populares da cidade.

“Gente sem-terra e terra sem gente”

Após a declamação de poesia e apresentação das pessoas presentes, as perguntas começaram a provocar a participação de um público diverso, que contribuiu para o tema do debate: a reforma agrária popular. A roda de conversa evidenciou a importância da aliança entre trabalhadores/as do campo e da cidade, objetivo da atividade do intercâmbio. Com a curiosidade de quem veio do meio urbano, e a partir das falas e da experiência de quem vive no assentamento, a realidade da reforma agrária ficou mais próxima. “Vivemos num país onde há muita gente sem-terra, e muita terra sem gente”, afirma Antônio Capitani, um dos assentados.

Grupos visitam a produção do Assentamento Contestado

Grupos visitam a produção do Assentamento Contestado

Aristides Rossi, da Padaria Comunitária Nossa Senhora Auxiliadora, do bairro Sítio Cercado, em Curitiba, refletiu sobre a própria experiência de vida: “Foi como voltar 62 anos atrás, quando eu puxava enxada na roça. Trabalhei 45 anos na lavoura de café, e lá a gente plantava com muito veneno, pouco alimento se produzia”.

A relação entre a produção do campo e o consumo da cidade evidenciou as diferenças de produção no agronegócio e na agroecologia. Paulo Cézar, do Assentamento Contestado, ilustrou: “Como comercializar o alimento agroecológico que eu produzo? Muitos produtores de fumo, do sistema convencional, tem dito isso, se conseguir comercializar pode mudar o sistema de produção. Agora ele não muda porque tem gente que consome aquele alimento contaminado que ele produz”.

Educação no campo

Desde 2006, o projeto e as propostas da agroecologia têm no Assentamento Contestado uma grande referência: a Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), que já formou três turmas de graduação de Tecnologia em Agroecologia e recebe estudantes de todas as regiões do Brasil e outros países da América Latina.

No ensino fundamental, a Escola Municipal e o Colégio Estadual do Contestado funcionam há quatro anos. Ao todo, o Assentamento tem cerca de 300 estudantes, entre crianças, jovens e adultos. Trata-se de um importante avanço na área do ensino no campo e também para a comunidade em torno do Assentamento.

Com o debate, quem participou do intercâmbio discutiu a importância da educação para o avanço da reforma agrária e da agroecologia. “O encontro aqui é mais forte, as pessoas estão preocupadas em ter uma nova visão do que é a reforma agrária e o movimento sem-terra”, afirma Antônio Capitani. “A reforma agrária é uma questão muito mais ampla… é um processo em construção”. O encontro demonstrou a relação entre quem vive no campo e na cidade, e a importância de fortalecimento da reforma agrária popular.

 

Alimentação saudável e saúde

Maria Natividade Lima orienta a experiência do Intercâmbio

Maria Natividade Lima orienta a experiência do Intercâmbio

Na área da saúde, quem compartilhou a experiência foi Maria Natividade de Lima. Do conselho municipal de saúde, ela trabalha no Assentamento e acompanha as famílias de agricultores assentadas. “No sistema capitalista em que vivemos, há uma necessidade dessa aliança, porque unir os pequenos agricultores e quem consome é fazer política em defesa da vida, de uma alimentação limpa, da harmonia entre ser humano e ambiente”, reflete Maria, enquanto apresenta o Assentamento.

Segundo Maria, a agroecologia e a agricultura familiar garantem a saúde a partir da alimentação, e o Assentamento demonstra essas potencialidades. “Os produtores e consumidores voltam a conhecer uma variedade de alimentos que não se conhecia mais” aponta. A experiência da biodiversidade reflete o processo de transição agroecológica. Opondo-se ao modelo do agronegócio e da monocultura, a variedade de alimentos produzida pelo Assentamento Contestado surpreende quem visita.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

3 + 9 =