Jornada de Agroecologia reafirma deficiências nas políticas públicas para os camponeses

Para o coordenador da Via Campesina e do MST, Roberto Baggio, o governo brasileiro está em débito com as pautas da reforma agrária. Demanda principal é por avanço na democratização da propriedade da terra.

Texto: Ednubia Ghisi
Foto: Leandro Taques

Com a simbologia da partilha das sementes crioulas, preservadas e multiplicadas pelos camponeses, foi encerrada no sábado (14) a 11ª Jornada de Agroecologia, em Londrina/PR. Cerca de 50 mil quilos de sementes foram distribuídas aos mais de 4 mil participantes. O ato político de encerramento teve participação de representantes de dezenas de movimentos e entidades, das 12 brigadas internacionalistas presentes na Jornada e de integrantes de órgãos públicos municipais, estaduais e federais. Os pronunciamentos dos diferentes representantes reafirmaram a importância da Jornada de Agroecologia, organizada desde 2002 pela Via Campesina, e da luta incansável dos movimentos campesinos pela reforma agrária e por políticas públicas de atendam de fato às demandas dos trabalhadores do campo.

Pelo segundo ano consecutivo a Universidade Estadual de Londrina (UEL) sediou a Jornada de Agroecologia, afirmando e efetivando a missão da universidade pública. Para a reitora da UEL, Nádina Aparecida Moreno, a organização da Jornada e a luta diária dos movimentos camponeses são uma lição de como os gestores públicos devem atuar. “Vocês nos mostram, com solidariedade, união, harmonia e compromisso, que podemos alcançar todos nossos sonhos e objetivos”, afirma Nádina, que reitera o apoio da universidade à Jornada.

O dirigente da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Roberto Baggio, cobrou do estado brasileiro avanços nas políticas para o campo, com a ampliação da compra da produção dos assentamentos, melhor estrutura e mais funcionários para o INCRA, e principalmente com a efetivação da reforma agrária, negligenciada pelo atual governo: “Para continuarmos avançando, é preciso democratizar a propriedade da terra, e nesse sentido a presidenta Dilma está em dívida com o conjunto de pautas da reforma agrária”. No estado do Paraná, mais de 5 mil famílias continuam acampadas.

Segundo o presidente nacional do INCRA, Celso Lacerda, assim como na vida concreta dos camponeses, a influência do agronegócio está fortemente presente dentro do governo, e por isso não é possível “fazer mudança sem a pressão e organização dos camponeses”. A força dos latifundiários está escancarada na grande mídia. Lacerda cita como exemplo a recente reportagem mentirosa da Rede Globo que mostrou desmatamentos em assentamentos da Amazônia. O INCRA provou a inverdade dita na reportagem, porém, apenas uma pequena nota foi veiculada pela emissora.

Do ponto de vista da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Superintendente do órgão no Paraná, Luiz Carlos Vissoci, percebe a evolução e conquistas com os programas voltados aos assentamentos e à agricultura camponesa. Entretanto, afirma a necessidade de desenvolver programas que consigam dar conta de infraestrutura e logística, pois a falta desses elementos impede o avanço dos projetos.

A composição do ato de encerramento da Jornada demonstra o amplo apoio ao evento e à agroecologia como modelo de agricultura para o Brasil. Representando os movimentos sociais e entidades, estiveram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Instituto Equipe de Educadores Populares (IEEP), a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), a Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, Centro Missionário de Apoio ao Campesinato (CEMPO), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Rede de Educação dos Acampamentos e Assentamentos da Reforma Agrária (REARA), a Assembleia Popular, o Levante Popular da Juventude e o Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria). As brigadas internacionais vieram do Equador, Venezuela, Estados Unidos, Cuba, Peru, Argentina, Espanha, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Uruguai, Haiti.

Do poder público local, estadual e nacional, estavam presentes representantes do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), a Ouvidoria Agrária do Paraná, a Universidade Estadual de Londrina (UEL), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Superintendente estadual do INCRA, o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), além da apoiadora da jornada de Agroecologia, Márcia Lopes, e do Deputado Federal Dr. Rosinha.

Documentos finais

Assim como nas outras dez edições, a Carta Final da 11ª Jornada de Agroecologia traz uma análise do último ano sobre a realidade da vida no campo hoje, para camponeses, indígenas e povos e comunidades tradicionais, e as consequências para a sociedade como um todo. O documento aponta que, em oposição ao campesinato e ao modelo agroecológico de produção, que carecem de políticas públicas estruturantes, os latifundiários e o agronegócio continuam recebendo generosas parcelas do recurso público.

A partir da crise econômica de 2008, novas formas de acumulação têm sido engendradas pelo sistema capitalista hegemônico, em um esforço de manter a lógica do lucro a qualquer custo. Estados e governos nacionais, empresas e organismos multilaterais passaram a ameaçar o direito à água, à alimentação, das mulheres e, de outro, por meio da “economia verde” e do “enverdecimento da tecnologia”, apresentando como solução à crise ambiental. Os mecanismos pelos quais se concretizam são mercados de carbono, de serviços ambientais, de compensações por biodiversidade e o mecanismo de REDD+ (Redução de e Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).

O documento apresenta oito pontos de reivindicações aos governos dos Estados e Federal: criação e implementação imediata de políticas públicas estruturantes à promoção da agroecologia; banimento de todos os agrotóxicos; manutenção da Moratória Internacional contra a liberação das tecnologias “terminator” – “exterminador”; garantia de política pública de proteção aos defensores e defensoras de Direitos Humanos ameaçados/as e combate à criminalização dos Movimentos Sociais e à violência e impunidade no campo; manutenção da exclusão do Estado paraguaio do Mercosul e da UNASUL, enquanto não se restabelecer o governo de Fernando Lugo; não aprovação da PEC 215 que desmonta a política dos direitos indígenas; e manutenção do decreto que trata da regularização fundiária dos territórios quilombolas.

Resultado do processo de debate e participação da juventude na Jornada, também foi lida no ato de encerramento da jornada a Carta da Juventude, assinada por 14 movimentos e organizações sociais do campo e da cidade, além de oito brigadas internacionalistas. O documento afirma a necessidade do fortalecimento da organização enquanto juventude e da ampliação da articulação entre os Movimentos Sociais: “Precisamos nos constituir como protagonistas dos espaços em que estamos inseridos, a partir da auto-organização e da participação efetiva nos distintos espaços de luta, em consonância com as diretrizes das nossas organizações”.

Quatro moções foram aprovadas durante a plenária final: contra o golpe de estado do Paraguai e pela volta do presidente Lugo ao poder; em apoio aos trabalhadores do INCRA, que estão em greve por melhores salários e condições de trabalho; em apoio à desapropriação da Fazenda Santa Filomena, que beneficiará 76 famílias residentes no acampamento Elias Gonçalves de Meura, em Planaltina do Paraná/PR; e pela manutenção da unidade de pesquisa Valmir Mota Keno, destinada ao IAPAR, sem uso de agrotóxicos e transgênicos.

 

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